Revolta no Distrito 8

Panem at Circenses

História e sociedade do universo distópico de “Jogos Vorazes”.

A Encruzilhada

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I. INTRODUÇÃO

A distopia de Hunger Games é de uma complexidade maravilhosa, repleta de histórias, referências e mistérios. Sem dúvida, a narrativa de Suzanne Collins está entre as melhores do gênero — vai muito além do romance protagonizado e sua antiutopia coloca-nos a refletir sobre temas contemporâneos, como moralidade, problemas sociais, governos totalitários e ditatoriais; direito civil, político e social, sociedade do espetáculo, entre outros.

Segundo a própria autora, a fonte de inspiração para a construção da Capital e o Universo de Jogos Vorazes foi o grande Império Romano. Desde aspectos culturais à estrutura política temos uma influência do Império. O próprio nome do Estado — Panem, vem de Panem et Circenses, que significa “Pão e Circo”, nome dado ao modus operandi político romano.

II. A SOCIEDADE DE PANEM

A história começa com uma outrora Guerra Civil, à aproximadamente 75 anos do atual tempo. Com a deposição dos revoltos no conflito, a os patrícios e a aristocracia passa a dominar com mãos de ferro — a classe dominante cria então a “Capital” (nome dado à cidade-centro de Panem, e também se torna um nome coloquial para se referir ao governo) e nela vive com absurda luxúria.

A aristocracia desenvolveu diversas ações econômicas para o controle de massas e conta ainda com diversos aparatos ideológicos para garantir a manipulação. Dividiu o território de Panem em 12 distritos e, cada distrito é responsável por uma atividade econômica única e especifica:

  • Distrito 1: artigos de luxo;
  • Distrito 2: alvenaria e armas;
  • Distrito 3: tecnologia;
  • Distrito 4: pesca;
  • Distrito 5: energia;
  • Distrito 6: transportes, mecânica e engenharia;
  • Distrito 7: madeireira;
  • Distrito 8: industria têxtil;
  • Distrito 9: indústria agrícola e processamento de grãos;
  • Distrito 10: pecuária;
  • Distrito 11: agricultura;
  • Distrito 12: minas de carvão.

Os trabalhadores devem exercer suas funções estabelecidas pelo Estado, não tem acesso a outros distritos, não possuem direito sobre sua produção, toda produção é confiscada pela Capital e não existe recebimento de salários[1]. Alimentos, roupas, remédios e demais suprimentos são fornecidos pelo Estado (e a falta do básico é recorrente).

Para manterem a ordem, a aristocracia conta com os chamados Pacificadores, algo com “Guardiões da Paz”, que atuam como o órgão repressivo do Estado; nas escolas, as crianças aprendem o quão valioso é o papel da Capital para a manutenção do bem estar, da disciplina e do progresso; o Estado controla toda a distribuição de alimentos e demais suprimentos para a população. O ponto chave desse sistema são os Jogos.

“Que comecem os Jogos”. Esta frase marca o início de um evento desumano, brutal e mórbido, realizado todos os anos em Panem. Com uma a justificativa de “comemorar a vitória da Capital sobre a rebelião” foi criada uma competição; uma mistura de Big Brother com batalhas de gladiadores, como uma forma de espetáculo psicótica e manipuladora. Todos os anos é realizada uma colheita — 2 tributos de cada distrito, um garoto e uma garota com idades entre 12 e 18 anos são sorteados para participarem dos jogos. Eles são treinados e avaliados durante uma semana (é nesse período que conseguem apoio de patrocinadores — ricos da capital que, por diversão, enviam presentes à arena por preços exorbitantes) e então são enviados para a arena, onde lutam até a morte. O último sobrevivente é o vencedor dos Jogos, e como prêmio pode viver o conforto proporcionado pela Capital.

III. JOGOS DA FOME MODUS OPERANDI E O CONTROLE SOCIAL

O chamado “Hunger Games[2]” é o principal pilar de sustentação do sistema político. Este tem o objetivo positivo de ser um “belo show”, mas existem grandes questões políticas, econômicas, sociais, culturais e psicológicas por detrás deste evento. Em suma, os jogos possuem dois objetivos básicos:

a) Diversão para os moradores da Capital.

A competição tornou-se um importante “Reality Show” para a aristocracia da Capital, movimentando todos os anos uma grande indústria da moda, festas e entretenimento, o mercado de apostas, o ramo de hotelaria e restaurantes, entre outros. A realização do evento fica por conta dos chamados Idealizadores — uma equipe responsável pelo desenvolvimento e controle das arenas; seu dever é elaborar o espetáculo mais emocionante e sangrento quanto o possível.

Durante os jogos, os tributos podem receber presentes para ajuda-los a sobreviver, ao custo de fornecerem grandes emoções aos espectadores e cativar algum dos Patrocinadores, que por um preço exorbitante pode mandar um medicamento, um pouco de água ou alguma comida para salvar “seu tributo”. A apresentação é muito esperada todos o ano pelos aristocratas, mas a obrigatoriedade tornou-se uma tortura para os distritos, que assistem a morte de seus filhos contra a vontade.

b) Fator moral/mecanismos de dominação.

Esse show bizarro tornou-se uma grande demonstração de autoridade e controle. Todos os anos, o presidente Snow, ditador de Panem, reforça a soberania da Capital sobre os demais distritos. Esse reforço, repetido ano a ano, coloca os trabalhadores em uma condição subjugada e produz a principal arma da dominação — o medo. O fator moral imposto pelos jogos já é um grande ponto, mas a partir desse evento, outros fenômenos surgem.

Após 74 anos de competições interruptas surge entre os distritos um sentimento de rivalidade muito grande. São criados os centros de treinamento de Carreirista nos distritos 1, 2 e 4 — são os distritos com maior capital e estrutura para treinar os tributos; quando atingem 18 anos eles se voluntariam para jogos, com uma vantagem superior aos outros, levando assim a maioria das vitórias. A vitória na competição torna-se um sinal de orgulho e superioridade para o distrito e o vitorioso vira mais um objeto de diversão para a Capital, com sua vida vigiada e paparica 24hrs por dia.

Nos distritos pobres, em especial o 12, a realidade dos trabalhadores não permite um preparo, e o número de vitórias acumuladas nos jogos é ínfimo. A pobreza é tão marcante que até mesmo o abastecimento de suprimentos da Capital é escasso — e aqui, a miséria torna-se proposital. As crianças em idade de tributo podem retirar mais de uma cota de comida para ajudarem suas famílias, mas com a condição de dobrarem suas chances de serem sorteadas cada vez que necessitam da comida.

Há um claro favorecimento de alguns distritos e abandono de outros. A cisão e competitividade é uma grande arma da Capital, que emprega a famosa tática divide et impera“dividir e conquistar”.

“É um gesto antigo e raramente usado de nosso distrito (…). Significa graças, significa admiração, significa adeus a alguém que você ama.”-Katniss.

I.V. CONCLUSÃO

“Distopias são espelhos negros, versões corrompidas de futuros que batem na nossa porta” (GALILEU, 2016).

Toda história distópica é fruto de um determinado tempo histórico em uma determinada sociedade, ao qual seu autor está inserido. Como produto de seu meio, a imaginação de Suzanne projetou uma ideia de futuro, e a materialização dessa hipótese em uma narração pode vir a ser um recurso para estudo, desde que usado de forma correta.

Obras do mesmo gênero, como 1984 e Revolução dos Bichos de G. Orwell são usadas como ferramenta, por exemplo, nos estudos sobre a Revolução Russa e União Soviética.

“The Hunger Games” é fruto dos diversos conflitos contemporâneos, em especial aos do Oriente Médio; da teoria econômica e sócio-política marxista, influências romanas e a mente genial de Suzanne Collins.

[1] Modo de Produção Escravista romano.

[2] A tradução de “Hunger Games” torna-se Jogos vorazes (BRA) ou Jogos da Fome (PRT)

V. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLLINS, Suzane. Jogos Vorazes. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

COLLINS, Suzane. Jogos Vorazes: Em Chamas. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

JOGOS Vorazes. Direção de: Gary Ross. Santa Monica: Lionsgate Films, 2012. 1 DVD (145 min.).

VAIANO, Bruno. Como reconhecer uma distopia?. São Paulo: Revista Galileu, 28 de novembro de 2016, atualizado em 29 de novembro de 2016. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2016/11/como-reconhecer-uma-distopia.html>. Acesso: 03 de abril de 2020.

FANDOM. Jogos Vorazes WIKIA. Disponível em: <https://jogosvorazes.fandom.com/wiki/Página_principal>. Acesso em: 03 de abril de 2020.

ROCCO. Jogos Vorazes. Disponível em: <https://www.rocco.com.br/livro/?cod=384>. Acesso em: 03 de abril de 2020.

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